Incrível como este artigo, deste link, vem de encontro ao que sempre pensei, e infelizmente, em alguns momentos presenciei. Por isso transcrevo-o abaixo, integralmente.
Como tenho formação técnica e estou em formação acadêmica para pesquisas da minha área, vejo como necessário romper estas barreiras entre o que se pesquisa e o que se aplica na sociedade. Romper com os orgulhos e alter-egos alimentados. Contudo, um outro ponto também muito importante, que não foi relatado neste artigo abaixo, é a visão da sociedade e do governo quanto ao valor das pesquisas, porque uma pessoa graduada que se dedica integralmente à área de pesquisa recebe uma bolsa miserável, além de não ter os mesmo direitos da CLT, como férias, 13º salário, FGTS, nem auxílio saúde, vale-transporte e vale-refeição, se tornando desmotivante ingressar nas linhas de pesquisa. Eu mesmo ainda não posso me dedicar exclusivamente, e por isso, render mais em minha pesquisa, porque com o que se oferece de bolsa, não há como viver dignamente, sem a ajuda dos pais ou de outrem.
Não há favores! A sociedade precisa dos estudos do pesquisador, assim como pesquisador está a serviço da sociedade com seus estudos. É esta consciência que devemos buscar. Não há distinção entre os dois universos, há trabalho em conjunto! Para que assim, um não seja estéril e o outro paralítico!
A academia de costas para a sociedade
Por Carlos NepomucenoA academia está dentro da sociedade e só faz sentido quando se relaciona com ela de forma intensa. Isolada (como prefere ficar) é apenas mais uma fonte de despesas e barulho.
Fonte: Webinsider - 23/01/2009
Nós não somos estudantes de uma matéria qualquer, mas estudantes de problemas - Karl Popper.
Toda a Ciência tem um ponto de partida.
Nasce da necessidade de resolver um problema humano. Uma impossibilidade que nos leva a estudar determinado assunto.
A partir desse ponto, inventamos equipamentos (telescópios, microscópios, máquinas de raio-x) que nos permitam detalhar os objetos.
Ou inventamos ferramental teórico que nos permita compreender o que se passa e o que provavelmente acontecerá. E como podemos nos preparar para conviver com estes fatos.
Nessa linha, existem objetos inacessíveis às tecnologias atuais (o material do solo de outros planetas, por exemplo) e fenômenos novos como a Aids ou a internet, que abrem novos campos de estudo.
O problema original, entretanto, se desdobra em diversos outros e nesse caminho é normal que o problema a ser resolvido torne-se secundário em um processo virtuoso.
Existe também, o que é mais comum, que o problema fique cada vez mais distante e, por diversos fatores burocratizantes, a própria Ciência se transforme de solução em problema.
O cachorro que deveria saber onde está o rabo, virou o rabo atrás do cachorro.
Burocratiza-se a Ciência, que passa a ser um “Ministério”, com seus carimbos, burocratas, normas, regras e leis, que supostamente defendem a inovação mas muitas vezes acabam tendo o efeito contrário.
Passam anos discutindo os detalhes, sem ir ao âmago da questão, em um processo claro de neurose científica.
Me alinho com Edgar Morin quando no livro Cabeça bem-feita defende uma nova cultura científica, que resgate o sentido de orientação para a condição humana.
Não há nada pior do que uma academia fechada nela mesma, com a cabeça cheia sem conseguir articular aquele conjunto de autores de tal forma a contribuir de alguma forma com a sociedade.
A academia está dentro da sociedade e só faz sentido quando se relaciona com ela de forma intensa. Isolada (como prefere ficar) é apenas mais uma fonte de despesas e barulho.
Os problemas são uma dádiva para quem estuda. Eles ajudam a organizar o pensamento, dão um sentido de realidade às nossas viagens e nos fazem situar determinado conceito no geral das coisas, evitando a “acumulação estéril”, definida assim por Morin:
“Onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido”.
Morin defende, assim, uma educação e, por sua vez, uma Ciência que nos oriente para os problemas fundamentais de nossa própria condição e de nossa época.
O isolamento da maior parte de nossa academia, perdida nos seus falsos problemas egóicos, cria-nos ruídos. Quem deveria ajudar muitas vezes, atrapalha.
É um pouco o que diz Marcos Cavalcanti, quando defende um novo sentido para as pesquisas acadêmicas com a sua sensacional e emblemática estória do Ronco do Boi, sobre a incapacidade do sistema brasileiro de ciência e tecnologia de transformar conhecimento em valor.
Um pesquisador que estudava o ronco do boi, quando perguntado sobre o motivo da pesquisa, simplesmente respondeu: “porque eu estou a fim”.
Cavalcanti defende que “a universidade não pode continuar de costas para a sociedade, pesquisando só o que interessa aos pesquisadores”.
Eu complemento dizendo que a universidade pode criar sim problemas, está ali para isso, mas que ajude a sociedade a resolver os seus. E não criar uns tantos falsos e estéreis a seu bel prazer, financiada pela sociedade.
A arte está em fazer com que ela se aproxime da realidade com sabedoria e liberdade em um processo inovador e criativo, envolvendo todos os atores, não apenas os “de dentro”.
É preciso resgatar a ideia original da academia: um conjunto de estudiosos empenhados em melhorar a vida sobre a face da terra, reduzindo, ao máximo, o que é estudo do próprio umbigo. Concordas?
Carlos Nepomuceno - nepomuceno@pontonet.com.br - é professor, pesquisador e co-autor do livro Conhecimento em Rede (Editora Campus), coordenador do ICO, Instituto de Inteligência Coletiva e diretor da Pontonet. Mais dele no blog CNepomuceno e no Twitter.
Link: Webinsider
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