segunda-feira, 11 de março de 2013

Intolerância X Violência



Eu sempre respeitei a escolha de cada um e seu credo. Não consigo conceber que pessoas matem, caluniem, destratam, falem mal, façam conspirações, difamem o outro por causa de sua religião, sua fé.

A fé por si só é abstrata demais para pensarmos que podemos simplesmente acreditar que só a nossa é verdadeira e que os outros vão para o inferno se não se converterem para a nossa, ou que devemos matar o outro porque a sua religião representa o “mal” para o mundo. 

Chega a ser uma incoerência tamanha o fanatismo, uma vez que, a maioria das religiões em sua base prega o “amor” e a “paz”. Mas como é possível fazer paz com guerra?

Mas também não podemos ser inocentes em pensar que podemos “deixar que nos matem”. Ano passado assisti o filme “Machine Gun Preacher” do pastor Sam Childers que defende as crianças e famílias do sudeste do Sudão que vive uma enorme guerra civil, onde grupos radicais rebeldes invadem aldeias de cristãos para arrancam os seios das mães que amamentam “filhos do mal”, cortam seus lábios, além de matar crianças e adultos. Sua forma de defesa pode ser controversa para muitos, mas infelizmente, eu não estou tão certa que apenas o “diálogo” nestes casos de extremismos funcione.

Há um limiar muito tênue que deve ser visto com cuidado onde ao buscar se proteger não nos percamos neste mundo da violência e não nos tornemos como os próprios inimigos.  

Certa vez, lendo o livro sobre a história de Safiya Husaini, a primeira nigeriana que teve sua vida contada para o Ocidente pela BBC, e em uma mobilização mundial para seu não apedrejamento por acusação de adultério, já que mesmo separada ela teve uma filha fora do casamento, Adama, e pela lei do Islã ela deveria ser condenada conseguiu ser salva. O que mais me chamou a atenção neste livro é que Safiya descreve sua vida com uma felicidade simples e sincera, apesar dos dois casamentos desfeitos e a promessa de um não cumprido, que resultou em sua filha, recebendo somente ela a culpa do ato.

O modo de vida do ocidente é sem dúvida muito diferente do modo de vida do Oriente, mas nem por isso o nosso modo de vida é o certo, e não somos a pílula de salvação para eles. Enfim, existem outras formas de viver do que a que estamos acostumados a viver no ocidente, assim, como a de ver o mundo do oriente.

Assim como manter uma visão generalizada que todo alemão é nazista ou todo muçulmano é homem bomba. Temos que ter cuidado com estes estigmas negativos criados. No filme Território Restrito (Crossing over) que retratava a imigração americana, mostra em um dos seus momentos o preconceito do mundo contra os muçulmanos. Infelizmente as pessoas sofrem com o olhar do outro de “medo” e preconceito do diferente, principalmente quando parte deste diferente mancha a imagem de um todo.

Isto me lembra o filme-série que tive o prazer de me deleitar em minhas férias: Xingu. Que mundo desconhecido para nós! Que coragem e bravura daqueles irmãos Villas Bôas! Ressaltando apenas uma parte desta brilhante história de luta, quando um grupo de intelectuais reunidos com um dos irmãos, Orlando, falam que nós estávamos “civilizando” os índios, então ele diz que “na verdade, não tinha muita certeza de quem estava civilizando quem”. O que mais uma vez reforça que não somos a verdade, o modo único de ser.

A intolerância, seja de qualquer natureza, é de uma loucura tamanha que tem que ser tratada não só como um caso de polícia, mas psíquica.

Hoje o tão comentado bullyng, que na verdade, sempre existiu, começa com as mais ínfimas desculpas, como o cabelo, a beleza, a gordura, a altura do outro. Como somos seres cruéis uns com os outros!
Sem comentar que hoje não se pode mais terminar relacionamentos. A loucura humana está tamanha que as pessoas estão matando quem um dia jurou amou, só porque o amor acabou. A dor não justifica tamanha tragédia. Se não consegue superar esta perda, quiçá outras que virão! A vida, meus caros, é cheia de perdas a todo instante, infelizmente! Temos que amadurecer!

Um dos muitos casos de barbáries que assisti nos últimos tempos foi o de duas amigas que arrancaram o coração da amiga por ciúmes, detalhe, elas tinham na faixa de 13 anos, e não apresentavam qualquer remorso ou noção de realidade quando fizeram o depoimento. Onde vamos parar?

Semana passada, no programa Esquenta da Regina Casé falou sobre a campanha do TJDFT lançada: “Conte até dez”, antes de praticar qualquer ato de violência por impulso. Gosto muito deste programa e a forma como a Regina trabalha temas tão importantes de forma tão popular, simples e leve. Tantas vidas poderiam ser poupadas se parássemos e contássemos até 10.

Matar por um time de futebol, por uma religião, por uma rincha de bairro, por uma discussão na escola, pela raça, por um término de relacionamento é apenas uma desculpa para algum desvio de personalidade que já era propenso a tamanho ato de selvageria e apenas precisava de uma desculpa para isso. 

Precisamos repensar os nossos valores. A vida precisa ser valorizada, como um presente único, que não nos cabe tirá-la do outro por simples incompatibilidade de modo de viver ou pensar, ou por momentos de acessos de raiva.

O mundo está débil com tamanha intolerância e falta de respeito com o outro. O mundo precisa ser curado, ser tratado. O mundo precisa de mais amor.  

Contemos até 10! Paz e bem! Um ode à vida!

Retorno ao blog



Quanto tempo! Que saudades! Nada melhor do que começar com este lindo quadro chamado de Retorno da artista Rosah Casanova do blog de cultura Molinero.

Apesar de só postá-lo hoje.... lá vai o meu retorno...

Hoje são 12 de janeiro de 2013, e começo a escrever meu retorno ao blog, ou, mais precisamente, um retorno a mim mesmo. Estive ausente por tanto tempo deste espaço que sinto falta, mas confesso sentir um pesar maior por ter ficado afastada de mim mesmo ao ponto de não me lembrar quando me perdi de mim. Como já diria Augusto Cury

"Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável."

Talvez não seja tão assim, apenas me deixei levar-me na inércia da roda da vida. Não fiz loucuras ou me joguei a aventuras insanas, não foi este tipo de perda de mim. Pelo contrário, fui me deixando ir pelo ritmo que pede a rotina, as obrigações, os compromissos. Logo eu que nunca tive o problema com a rotina, que sempre a vi como uma aliada, que nos ajuda a organizar nossa vida, principalmente eu que pouco tenho de disciplina. 

Também não estou desprezando as coisas que vivi, pelo contrário, eu vivi bons momentos, tive felizes conquistas, desbravei novos universos, e tive os meus amigos e minha família ao meu lado, mesmo quando nem eu mesmo estava ali. Ao mesmo tempo em que me sinto uma afortunada por já ter visto tantas lindas coisas, por me sentir sensível a cada barulho de rio que corre, a cada luz que brinca com as folhas das árvores, num lindo jogo de esconder e surgir, também me sinto devastada de mim, sem saber para onde ir, como ir. Sinto-me só de mim mesmo. 

Permiti-me entrar na roda louca que só as cidades grandes possuem, onde a todo tempo temos que estar nos deslocando, nos aperfeiçoando, cumprindo nossas infindáveis responsabilidades, estas que nós mesmos nos impomos para nos manter nesta roda viciosa. Certa vez recebi um email de meu amigo Danyfloyd com uma imagem muito legal que dizia algo como: perdemos muito tempo para juntarmos coisas que não precisamos. Não há problema em ter as coisas, o problema é se perder nas suas complexidades, nas suas exigências, nas suas buscas, sem nada alcançar. 

Sem falar, claro, das relações humanas, quanto mais “crescemos” mais ela nos apresenta em sua faceta mais crua, seja qual for o tipo de vínculo ali firmado e suas possibilidades e condições. As relações humanas, e seus descuidos, desgastes, feridas, cicatrizes, inconsistências e dubiedades. Um completo caos.

Ah, e como não tive, por tantas vezes, forças para ver meus amigos, força muito mais espiritual que física. Amigos de longas datas, vivências, trocas, sempre ali, mesmo quando eu estava distante, estavam ali comigo. Era fato, já me mantinha acorrentada na inércia desta solidão. 

No meio de tantos, longe de mim. Ah, mas era no aconchego da minha família que mais buscava abrigo. Lá estava eu, deleitando-me a cada momento ao lado deles. Como os amo! Momentos simples, mas, especiais em família. Ah, nada me faz tão feliz! Hoje percebo isso com mais clareza. Pena que percebi esta magia quando meu pai já não se fazia presente para me deleitar por completo. Ficam apenas as lembranças. Mas para que serve os momentos da vida do que para lembrarmos deles depois? São eles que não nos deixam perder... 

Apesar de ser apaixonada por tantas coisas, é difícil sair da inércia. Poderia fazer tantas coisas na vida que sei que estaria feliz. Amo lecionar, mas também faria outras coisas que envolvessem “agregar”, ajudar pessoas, compartilhar e integrar-me às suas vivências. Amo tudo que envolve a vida, a saúde, a natureza, a psicologia e os segredos que envolvem o mundo e as pessoas. Tantas paixões me movem, me fazem sentir viva, no entanto, só amar não é suficiente para se movimentar. Falta aquela energia, aquela força que te moveria, aquele sopro que te impulsiona. Acho que estou neste momento. Momento de buscar esta força que me lança para dentro de mim mesmo, que organiza a “minha morada” interna, para assim, ser impulsionada a sair para outras moradas. Encontrar-me para sentir-me. 

Os livros de autoajuda nunca foram minha opção literária. Nada contra. Cada qual se identifica com alguma coisa. Talvez seja a obviedade do escrito que no meu narcisismo intelectual achasse que não precisasse ouvir. Ora, quantas vezes precisamos ouvir o óbvio! Quantas vezes o óbvio só se tornar realmente óbvio quando maturado dentro de nós. Não basta ouvir e saber, é preciso, sobretudo, “parar” para sentir e deixar que lentamente estas palavras venham sendo germinadas dentro de nós. E este processo ocorre de uma forma tão sutil, que esta acomodação beira ao pueril que nos faz perguntar porque demoramos tanto.

Minha mãe, por exemplo, tem muitos livros do Augusto Cury e confesso que já li alguns trechos e encontrei muitas coisas lindas, que já me fizeram refletir, mas nunca li um de seus livros por inteiro. 

Mas neste fim de ano ao me deparar com o livroTempo de esperas – o itinerário de um florescer humano” do Pe. Fábio de Melo me senti instigada a lê-lo. Gosto muito da sobriedade filosófica, humana e espiritual do Pe. Fábio, assim como transmite uma sabedoria com uma delicadeza e um cuidado que me admira. 

Estou em um momento tão cansada de seguir, tão “relax”, que diria que estou sendo “levada” pela vida e a sua roda. E foi neste cansaço de me “bastar” sozinha, nesta busca desta entrega, desta paz que comecei a ler o livro. 

Quem nunca viveu algo assim talvez possa estar buscando, e ainda não saiba. Agora, para quem por algum momento já viveu a sua espiritualidade, seja onde e como for, e por alguma razão a deixou pelo caminho, não tem como não sentir uma constante “saudade”, como já diria a música da Celina Borges, inspirada em Santo Agostinho:

“Saudade, tanta saudade... estou com saudades... de estar com meu Deus...”

Esta música me acompanha há tanto tempo, que mesmo sentindo em alguns momentos o alento para esta saudade, não me bastava... momentos passam, a vida continua...

Faz pouco tempo, meu querido amigo PH me perguntou se eu estava indo à igreja, e ele ficou chateado pelo fato de euzinha estar tão afastada. Não que ele seja religioso, não que o problema seja eu ir ou não a igreja, mas eu entendi o que aquele ar de "desaprovação" estava querendo me dizer. Ah, meu grande amigo, sempre cuidadoso comigo. Não importa como exercite o seu lado interior, mas não o deixe de fazer. Como este sempre foi o meu lado, da nossa turma eu que sempre gostei de atuar, de participar das coisas sociais, religiosas, e isso me faz muita falta. Ainda não sei como, mas quero voltar... e sei q isso será um pouco mais complicado, e vai requere um pouco mais de tempo e trabalho.... mas quero e preciso também deste retorno...

Não que neste período de ausência não tenha lido nada ou deixado por completo minha espiritualidade, entre outras coisas que tanto gosto. 

Neste período pude conhecer e ser “cuidada” pelas Assoluc, fundada pela Irmã Natália, assim como pude ler bons livros como o “Ciúmes de Deus” de S. Hipólito Faria, uma pessoa cultíssima que tive oportunidade de conviver nos últimos tempos, através de outro casal que também tenho total admiração e carinho, S. Franklin Fonseca e sua esposa Beth. Anjos que Deus colocou na minha vida, que em simples momentos de aula, transcende o conteúdo proposto, abrangendo e acalentando o coração. 

Este meu retorno ao mundo dos livros, do meu cantinho do blog, de escrever, de minha espiritualidade, de mim mesmo estão trazendo uma tranquilidade e paz almejada há tanto. Espero que neste caminho de “volta pra mim”, eu consiga deleitar-me com prazeres esquecidos, com uma felicidade simples de estar com minha essência de forma mais integral. 

Que este ano de 2013 seja mais que um recomeço para o blog, assim como seja mais que um recomeço para mim. Que seja um ano abençoado a todos nós! Paz e bem!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Mito da Caverna de Platão na versão Maurício de Souza



Achei interessantíssimo esta conotação sagaz feita pelo Maurício de Souza em uma das suas histórias. Aqui não estará toda a história (é bom que os instiga a lê-la toda), mas deixarei apenas a idéia central lançada por este grande gênio dos quadrinhos.



Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. E que coincidência! - Diria Platão...

Seria até uma falácia se não fosse tão tristemente real!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Amorosidade - Eugênio Mussak


Amorosidade
Revista Vida Simples nº 93 01/07/2010 - Por Eugênio Mussak

Dizem que falta amorosidade entre as pessoas nos dias de hoje. O que exatamente significa isso? Não seria o mesmo que sentir amor pelo próximo?

- Há dois tipos de pessoas no mundo. As que vivem em estado de egoísmo e as que vivem em estado de amor.

Faz muito tempo que eu escutei esta ponderação de uma pessoa muito amorosa, inteligente e uma pianista excepcional: a professora Adelaide Moritz, minha mestra na música e na vida. Nunca me esqueci de sua análise por dois motivos: porque ao colocar “estado de” antes dos substantivos egoísmo e amor, ela criou uma nova classificação da condição humana; e porque ela qualificou o egoísmo como o antônimo de amor, e não o ódio, como seria de esperar.E ela fez isso porque não se referia ao amor em si, e sim à condição de amar como um jeito de ser.

É quase uma filosofia viver em estado de amor, o mesmo que estar conectado com o mundo por um cordão de luz, que ilumina as relações e as torna sempre agradáveis, independente de serem afetivas, familiares, profissionais ou circunstanciais.

Por outro lado, viver em estado de egoísmo seria o mesmo que criar um cordão de isolamento que afasta as pessoas e condena seu “usuário” a uma vida pobre de espírito e curta de esperança. Viver em egoísmo significa querer só para si, não compartilhar, desconsiderar as necessidades e os sentimentos alheios. Ser um habitante do estado de egoísmo é o mesmo que declarar guerra ao mundo, usando como armas as palavras duras, a desconfiança permanente, o desrespeito latente.

Todos conhecemos pessoas dos dois tipos, mas vou falar aqui do primeiro jeito de ser, claro. Das pessoas que, por índole e por opção vivem em amorosidade, o que não significa que não possam ser duras se isso for necessário para reinstalar a ordem no mundo ao seu redor. Lembro que a professora Adelaide era amada por seus alunos até quando, exigente, mostrava que não estava satisfeita com o desempenho deles. Pessoas amorosas são assim, são amadas porque são amorosas e são amorosas porque não têm medo de ser amadas. Há quem diga que amar é fácil e que ser amado é difícil. Os verdadeiramente amorosos deixam aberto o caminho nos dois sentidos.

Mas é importante esclarecer que ser digno de amor não é ser bonzinho, certinho, modesto e gentil para fazer amigos e influenciar pessoas. Isso é ser polido, amável. “A polidez, é um simu­lacro da moral”, explica o filosofo André Comte-Sponville, que se deu ao trabalho de escrever o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. Ele afirma que agir de modo amável não é ser amoroso, mas é um bom começo. A esperança é que da polidez surja o nobre sentimento, mas nada é certo. Ao preencher o amor que lhe falta, por hábito ou por educação, a moralidade pode virar amorosidade, o seu estado mais alto. Ao atingir esse auge as virtudes se dissolvem e viram uma só, passando a ser praticadas sem artifício, ao natural, com açúcar, com afeto, com amor verdadeiro.

Segundo esta visão, viver em estado de amor pode ser uma opção, algo que pode ser desenvolvido conscientemente, uma atitude que começa na mente e acaba instalando no coração um novo jeito de ser. E o mundo agradece por isso.

A amorosidade seria uma das manifestações da capacidade humana de amar?

Amorosidade não é amor, é um hábito de quem é capaz de amar. Mas, para isso, é necessário viver o amor em si, o que dá mais trabalho do que parece, pois há mais de um tipo de amor, e só seremos completos quando visitarmos a todos. Para melhor entendimento sempre podemos beber da fonte segura do mundo grego antigo, simples e coerente, e reduzir a es­sência do amor a três tons primários: Eros, Philia e Ágape.

O mais primitivo tipo de amor seria erótico. Egoísta, incompleto, é uma espécie de desejo pela falta. A palavra vem de Eros, deus do amor, fruto da união de Pênia, a penúria, com Poros, o faustoso. Filho pobre, sujo, sem sapato, sem teto e sempre faminto, herda do pai a atração pelo belo e pelo bom; é sagaz, caçador, e está sempre a maquinar planos e a desejar mais e mais.

Eros nasceu de um golpe de Pênia, dado enquanto Poros dormia embriagado após a festa de nas­cimento da deusa Afrodite. A deusa da penúria quis aliviar sua condição miserável tendo um filho com o senhor da riqueza, e assim concebeu Eros. Desde cedo ele viveu sob intensa atração ao belo, mas oscilando entre os extremos, pois era pobre porque não possuía nada e era rico porque guardava recur­sos potenciais para gerar novas vidas. Eros quer sempre mais, cobiça sair de si mesmo, corre sempre atrás do saber, da beleza, da fertilidade. É angustiado e insaciável.

Sendo a forma mais embusteira dentre todos os amores, o amor erótico geralmente consuma-se pelo contato sexual. “Na verdade, o amor delas [pessoas apaixona­das] é um egoísmo a dois; elas são duas pessoas que se identificam uma com a outra e resolvem o problema do estado de separação pelo encontro erótico”, diz o psicanalista Erich Fromm. Amor sedento que busca embriagar-se mesmo quando já saciado, ele é feito ausência cheia de vácuo; está sempre à es­preita de alguma completude inacabada, vazia. Assim é Eros.

Apesar de necessário e próprio de nossa condição de humanos incompletos, Eros não representa a amorosidade, apesar de poder ser parte dela como gerador de vida. Este estado começa – sim, apenas começa – a se manifestar através do segundo modelo, o amor Philia, que é fraternal, companheiro. Menos estimulado pela posse, este tipo de sentimento cristaliza-se pela amizade, e seu prazer deriva do simples ato de estar junto, de compartilhar momentos. Philia se alimenta da conversa, do cuidado, da alegria, do compartilhamento. É generoso, mas tem lá seu lado egoísta, apesar de se manifestar como altruísta, uma vez que se coloca sempre a serviço do outro. Seu egoísmo deriva do fato de que ao servir ao amigo sente prazer, por isso serve.

De Philia surgiram nomes, como filosofia, que significa o amor à sabedoria, ao conhecimento, e em zoologia, o estudo dos animais, usa-se a palavra filo para designar grandes grupos de espécies que têm afinidades entre si. Nós humanos, por exemplo, pertencemos ao filo dos vertebrados, porque, assim como os peixes, as aves, os répteis e os outros mamíferos, temos uma coluna vertebral. Pois é, até a ciência foi buscar inspiração nos mitos gregos para explicar suas conclusões.

Bem acima dessas coisas mundanas, como erotismo e amizade, encontramos o amor Ágape, que eleva ao amor a um estado divino, imaculado. Na verdade, ele vai além do amor, é universal, sem predileção nem eleição, é inteiramente desinteressado. Não é paixão nem amizade, mas divino, criador. É ele que dá valor ao que não tem nen­hum valor em si mesmo. Ele não precifica capacidades, concede-as. É a aceit­ação invariável do outro, seja ele quem for, amigo, inimigo ou indiferente.

Quem vive em estado de amor e tem amorosidade como filosofia, experimenta o amor Ágape todos os dias. Este é um tema que não escapou aos filósofos, o que se explica por sua importância. “Na essência, todos os seres humanos são idênticos. Na verdade, somos todos parte do Um”, conclui Erich Fromm, para explicar a amorosidade. “Ser amado precede a graça de amar e prepara o estado de amor” pensa Comte para explicar a origem de tudo.
Platão, em Banquete, põe à mesa duas soluções para explicar a amorosidade: como não podemos fugir de nossa incompletude, temos que direcionar o nosso amor para outros corpos e gerar filhos; ou então ex­pressá-lo por meio da arte, política, poética, ciências, filosofias ou o que for, sempre dando prioridade especial ao belo. “Seguir o amor sem nele se perder, obedecer a ele sem nele se encerrar é transpor umas depois das outras as gradações do amor: amar primeiro um só corpo, por sua beleza, depois todos os corpos belos, depois a beleza lhes é comum, depois a beleza das almas, que é superior à dos corpos, depois a beleza que está nas ações e nas leis, depois a beleza que está nas ciências, enfim, a beleza absoluta, eterna, sobrenatural, a do Belo em si, que existe em si mesmo, de todas as belas coisas que participam, de que proce­dem e recebem sua beleza…”.

Então ser amoroso é ter capacidade de amar pelo amor em si, sem contrapartida, sem interesse, sem posse, assim como uma mãe ama seu filho?

A amorosidade está presente nas relações familiares, mas extrapola este limite e transborda para o mundo humano melhorando as relações. Entre os membros da família, notadamente entre a mãe e o filho a amorosidade ganha profundos contornos de Ágape, mas muitas vezes se perde nesse caminho, pois Ágape pressupõe a não posse, e este é um sentimento que a mãe tem que se esforçar muito para não desenvolver.

Todas as mães amam, mas há mães amorosas e mães possessivas. A amorosa sabe que seu filho nasceu dela, mas não lhe pertence de verdade, prepara o filho para a vida e prepara-se pela deixá-lo partir e viver sua condição de indivíduo, com suas virtudes e defeitos, conhecendo conquistas e riscos. A mãe possessiva é egoísta e controladora. Ela exige amor e entrega porque ama e se entrega. Mas amorosidade não é isso, não é moeda de troca nem objeto a ser compartilhado. O amoroso, ao contrário, é libertário, não retém, não exige, não controla.

Amorosidade é uma condição humana elevada, aproxima as pessoas do conjunto de virtudes, pois nela estão incluídos o cuidado, o respeito, a confiança. A amorosidade é bela, boa e verdadeira. Se Eros, Philia e Ágape são deuses que personificam o amor, a amorosidade é a qualidade que eleva os humanos à condição de deuses. E o amor da mãe é o começo desse treino para sermos divindades, pois é o primeiro, o maior, o mais puro e completo. Só não pode ser egoísta, pois assim perderia a qualidade de produzir amorosidade, uma vez que nesta, encontramos também a liberdade, valor maior e insubstituível.

Assim, concluímos, se amorosidade não é amor, é por ele fertilizada e, ao fazer isso, gera uma sublime possibilidade humana: a de construir a paz, esta insubstituível condição para a felicidade.

Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril. Todos os direitos reservados.
OBS: Só para fechar este texto maravilhoso, uma frase bem providencial que Dalai Lama postou em seu twitter:
"The most compassionate form of giving is done with no thought or expectation of reward, and grounded in genuine concern for others."
A forma mais compassivo de doação é feita sem qualquer pensamento ou expectativa de recompensa, e fundamentada na preocupação genuína pelos outros.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Saramago

Infelizmente não consegui postar no dia de sua morte minha singela homenagem. Um dos meus preferidos autores, José Saramago, escritor português e Prêmio Nobel de Literatura morreu na última sexta-feira, dia 18, aos 87 anos, na Espanha. Ele que é tão citado aqui em meu blog, não poderia deixar de ser reverenciado neste momento de luto para a literatura mundial.

Neste link podemos ver uma entrevista de Saramago pós receber o prémio máximo da literatura mundial.

Segue-se um vídeo falando do filme dirigido por um dos meus diretores preferidos, Fernando Meirelles, de um dos meus livros preferidos "Ensaio sobre a cegueira" de José Saramago. Já havia referenciado no meu blog aqui sobre esta obra maravilhosa do livro e do filme, e sobre a emoção do Saramago ao ver o filme pronto. Realmente emocionante!

"Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem." (Saramago)

Companheirismo

Recebi este fofo vídeo e não tive como não postá-lo... recomendo até o final que é surpreendente! Afinal, o amor é o companheirismo, é a cumplicidade, é o apreciar e se deleitar um com o outro até nos momentos mais simples da vida... aiai...