quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Roubo das subjetividades

Acabei de ler o livro "Quem me roubou de mim" do Pe. Fábio de Melo. Um livro que trata dos roubos silenciosos de nós mesmos, de nossas subjetividades, de nosso direito de "ser pessoa". E como a todo instante estamos sendo submetidos ou submetendo alguém a estas prisões e cativeiros.

O que me faz recomendar este livro, é o fato que o Pe. Fábio não se limita a uma visão religiosa fechada.Uma visão que, por muitas vezes, nos distancia de nossa condição humana, numa sede de nos aproximar a um estado de santidade perfeita, longínqua da realidade. Pelo contrário, ele sabe muito bem retratar e nos reaproximar de nossa humanidade, e assim nos levarmos a nos encontrarmos com nós mesmos, sem máscaras, sem fugas, em nossa inteireza, e assim, nos depararmos com o que há de melhor e pior em nós. Só há discernimento das escolhas que fazemos diariamente se há conhecimento real do que somos. A ignorância de nós mesmos nos leva, quase sempre, ao medo e ao erro.

Não poderia deixar de compartilhar alguns dos belos momentos de reflexão deste livro:



Pg.24: Sentir medo é um jeito estranho de atribuir autoridade a alguém. (...) Sempre que estamos paralisados pelo medo, de alguma forma, estamos privados de nós mesmos.

Pg.29: (...) O ser humano acostuma-se com o que se tem, com o que ama, e somente a ruptura com o que se teme com o que se ama abre-lhes os olhos para o real valor de tudo o que estava ao seu redor. As prisões podem nos fazer descobrir o valor da liberdade. (...)
A ausência ainda é uma forma de mensurar o que amamos e o que queremos bem. Passar pela experiência do cativeiro, local da negação absoluta de tudo o que para nós tem significado, conduz-nos ao cerne dos valores que nos constituem.

Pg.30: (...)Olhamos e não conseguimos entender como não éramos capazes de reconhecer a beleza que sempre esteve ali, e que nem sempre fomos capazes de perceber.
No momento da ameaça de perder tudo isso, o que mais desejamos é a nova oportunidade de refazer a nossa vida. Nosso desejo é voltar, reencontrar o que havíamos esquecido, reintegrar o que antes perdido, ignorado, abandonado. O que desejamos é a possibilidade de um retorno que nos possibilite ver as mesmas coisas de antes, mas de um jeito novo, aperfeiçoado pela ausência e pela restrição.
(...) a presença dos que amamos nos devolve a nós mesmos.

Pg.49: (...) a santidade como aperfeiçoamento do que é humano, e não como sua negação.

Pg. 50: (...)Santificar é o mesmo que humanizar. É receber-se de novo (...)
(...)A santidade, o aprimoramento, requer coragem. A desumanização requer fraqueza. É mais fácil ser fraco. É mais fácil justificar-nos na preguiça existencial que nos aquieta nas expressões que são próprias de quem já perdeu a batalha. "Sou assim mesmo e não quero mudar!"

Pg.61: Nisso consiste os dois pilares do conceito de "pessoa". Possuir-se para disponibilizar-se. (...) Encontros e despedidas. Passagens transitórias, chegadas definitivas. (...) Eu abandonando a solidão de minha condição de posse de mim mesmo para alcançar a proeza de ser com o outro. Antes, a solidão do eu; depois, o estabelecimento do nós. Encontro de pessoas. Um
eu que encontra com um tu e que juntos estabelecem um nós.

Pg.62: (...)O que nos atrai no outro é a terceira pessoa que conseguimos fazer nascer com o nosso encontro.
(...)Relações saudáveis são relações que nos devolvem a nós mesmos - e, o melhor, devolvem-nos melhorados.(...)
O amor talvez seja isso. Encontro de partes que se complementam, porque se respeitam. (...) O amor não diminui, mas multiplica.

Pg.66: Não me leve de mim. Leve-me até mim.

Pg. 67: Pedido


Eu não quero que você seja eu.
Eu já tenho a mim.

O que eu quero é que você chegue

Com seu poder de chegar
E de me devolver pra mim.

Que você chegue com seu dom
De também me fazer chegar
Perto de mim...

Pra me fazer ver o que sou e que só você viu

Pra eu ser capaz de amar também

O que só você amou.

Eu não quero que você seja igual a mim.
Eu já tenho a mim.
Não quero construir uma casa de espelhos

Que multiplique minha imagem por todos os cantos.

Quero apenas que você me reflita

Melhor do que julgo ser.

Pg.77: (...) Tudo começa pequeno nessa vida; e só cresce se o permitirmos. (...)
Pequenas permissões abrem espaços para grandes invasões. Grandes tragédias começam com pequenos descuidos. Desastres terríveis são iniciados com displicências miúdas.


Pg.81: Nem tudo o que temos já é nosso, porque carece ser conhecido e conquistado.

Pg.88: O amor verdadeiro é o amor que faz ser livre, que faz ir além, porque não ama para reter, mas para promover.


Pg.89:(...)O olhar de quem nos ama é um olhar que nos devolve, abre portas.
(...)Quanto maior é o bem que nos provocam, maior é o desejo que temos de ficar perto.(...) O outro nos apresenta um jeito novo de interpretar o que somos, e por essa nova visão nos apaixonamos. O que nos encanta no outro é o que ele nos conseguiu fazer enxergar em nós mesmos. Egoísmo? Não. Apenas o primeiro pilar do conceito de pessoa alçando uma profundidade ainda maior dentro de nós.


Pg.97: Neste mundo de tantas pressas, não há espaço reservado para o discurso que exige calma e tranquilidade para ser entendido.

Pg.99: (...) O desejo é mais profundo que o prazer. Ele precisa de tempo para ser despertado e vivido. O prazer não. É produto rápido. É igual carboidrato de absorção rápida, que não leva tempo para ser assimilado pelo organismo. Desejo é alimento integral, demora para faer digestão, e por isso alimenta por mais tempo.
O prazer é poço sem fundo. É círculo vicioso. Cria dependência que nos faz procurar por ele o tempo todo. O desejo, ao contrário, cria permanência, porque acalma. Sabemos onde ele fica. Ele movimenta para novas buscas, mas não desorienta. É alimento integral, enquanto o prazer é alimento refinado. As sociedades estão cada vez mais consumindo os produtos refinados. Eles não exigem muito do organismo. Os produtos integrais, por serem mais substanciosos, exigem o dobro. E como não estamos dispostos a muito esforço, optamos pelo caminho mais simples.

Pg.100: Essa é regra que tem prevalecido. Nada pode nos privar do prazer. Sacrifícios não serão bem-vindos nos nossos tempos. As pessoas se esmeram por buscar atalhos, porque não há disposição para trilhar a estrada mais longa, ainda que ela seja repleta de belezas e surpresas.


Pg.112: Um dos elementos que acena para nosso amadurecimento como pessoa é justamente nossa capacidade de enfrentar a realidade sem as facilidades da fuga.
(...)O importante é estabelecer um equilíbrio entre aquilo que projetamos e aquilo que podemos esperar de nós mesmos.
(...)Há sempre o risco de querermos fazer o outro ser a medida de nosso desejo. POr uma insatisfação pessoal, projetamos no outro uma perfeição que gostaríamos de encontrar em nós mesmos.

Pg.117: citação do poema Tabacaria de Fernando Pessoa:


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.

Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.

Quando quis tirar a máscara,
Estava pregada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,

Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário

Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Pg. 118: (...)Os mascarados sofrem sozinhos. É um processo doloroso que atinge a muitos.
Conviver com quem optou pela inautenticidade causa uma infelicidade profunda. O gasto de energia para mentira é muito mais elevado para verdade.

Pg.125: (...) perder não é vergonhoso assim, e que não saber perder é um jeito estranho de perder sempre.(...)

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